quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Éramos.



'Éramos um em dois corpos. Às vezes, éramos três, sete ou quinze. Nos multiplicávamos a cada conversa. Ela me falava coisas sobre a natureza, Trindade e como o alcoolismo atrapalhou a sua convivência com seu pai. Eu falava sobre tatuagens, Caio Fernando Abreu e do meu lado carente em ter sido órfão cedo demais. A gente rimava. Podíamos passar dias conversando que sempre haviam novos assuntos para curar o tempo. Não importava a conversa - das tolas às sérias - a gente ria de qualquer forma.

Ficávamos trancafiados no quarto, geralmente. Saíamos para comer, vez em quando, e espalhávamos garrafas d’água para a hidratação momentânea. Nosso sexo era a prova de que a bíblia estava certa sobre o paraíso. Mas ao contrário do que eles dizem, descobrimos que são os pecados que nos levam até ele. A quis vestida apenas com sua pele e aquecida com seu suor mais perfumado. Queria ver e apreciar seu sorriso e sua virilha. A quis nua, crua. 

Depois de tantos campos minados, encontramos nosso paraíso mais bonito. Porque o amor é como praias desertas, aquelas bem escondidas que Deus faz questão de preservá-las. A gente precisava saber ultrapassar trilhas apertadas, pedregosas e subir as montanhas mais altas só para apreciar as águas mais bonitas.

Encontramos, mergulhamos e nos afogamos. Quis evitar e voltar atrás. Mas a gente escrevia poesia de mãos dadas. E fazíamos música com as bocas ali unidas. Pintávamos quadros de olhos fechados. E percebíamos que é amor quando invade a cabeça e transborda pela pele. E transbordou como um tsunami, através de discussões tolas e xingamentos desnecessários.

E a gente tentava ficar juntos – lado a lado – não querendo ficar sozinho, sem saber que solidão é um sentimento e não uma constatação física. Quando não deu mais pé, vi ou ouvi ela dizer que ia embora. Mas não me deu as costas. Me olhou com olhar de “tchau” e covardemente esperou eu me virar primeiro. Não fui. E continuo não indo. Quando a boca não transmite o que vem da mente, o corpo age pelo coração que ainda pulsa.'


- Hugo Rodrigues.

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