sábado, 22 de junho de 2013

Missão Impossível De Ter Você Só Na Cama.

Ela se desenroscou do braço dele, de fininho, para que nenhum movimento brusco o acordasse. Calçou os chinelos e observou resquícios da noite passada – bitucas amassadas no cinzeiro, as duas taças, o vinil que tocava Chico e que parou de rodar ao perceber que os ouvintes estavam entretidos demais em outras tarefas. A última lembrança que tinha era da voz suave cantando algo como “e-me-beija-com-calma-e-fundo-até-minh’alma-se-sentir-beijada”.

Foi até a cozinha e pegou um copo de água. Na pia, as louças confraternizavam, cenário típico de homem que carecia dos cuidados de uma mulher na casa. Enquanto ela ainda morava lá, a casa tinha uma sensibilidade que tinha partido junto com ela.  Escutou ele se virando na cama, e voltou ao quarto na ponta dos pés. Não queria que ele acordasse – queria ficar ali, admirando-o por mais um tempo, já que essa era a hora mais oportuna para fazê-lo. Jamais teria coragem de demonstrar tal afeto se ele estivesse ciente disso. Ela sabia que o jogo era perigoso demais, porque tudo nele parecia ter uma química assustadoramente compatível com os poros dela. Ela tinha que admitir que não sabia brincar de ser fuck friend com ele.

A vida lhe ensinara a ter tato. As noites solitárias em casa esperando o telefone tocar tinham machucado o bastante. A ânsia de tentar desvendar intenções alheias também. Fez um pacto com a sua expectativa – se permitiria, sim, envolver com sujeitos que só queriam o seu corpo, mas prometeu que nunca mais roeria uma unha ou perderia um quilo por eles.
No entanto, ele parecia atraente demais, deitado ainda com um dos braços estendidos, exatamente como ela o deixou quando saiu de fininho do seu peito. Sabia que aquela posição era perigosa demais – evitava-a sempre, pois sabia que tinha uma queda e que se deixava apaixonar demais por abraços quentes e beijos na nuca. Especialmente os dele. Principalmente os dele.

Prometendo que seriam só mais cinco minutos, ela retornou silenciosamente à cama. Ele deu uns gemidos de sono, mas não despertou. Ela aproveitou para sentir mais uma vez aquele cheiro; pra tocar mais uma vez aquela pele que se fundia com a dela sempre que se tocavam; pra passar mais uma vez a mão nos cabelos macios dele; pra roçar de novo naquela barba que havia deixado marcas por todo seu corpo na noite passada, e tantas noites num passado que agora parecia fosco. O amor dos dois havia derretido.

Antes que fraquejasse de novo, ela se levantou. Recolocou as roupas que ele havia tirado com maestria horas antes. Lembrava-se de como ele sabia exatamente onde tocá-la; de como sabia exatamente quais botões a tiravam de si; de como entrava com imponência dentro dela, como nenhum outro havia feito. Ainda nem estava pronta pra partir, mas seu coração já doía de vontade de ficar. Ela conhecia esse sentimento de partir querendo permanecer.

Pegou uma caneta jogada em qualquer canto e arrancou uma folha do moleskine que descansava sobre a cômoda.

“É sempre um prazer ser sua de novo, mas meu coração é fraco demais pra te ter só na cama. Me corte da sua lista das ex que não resistem ao seu sexo e que sempre cedem a um convite para um remember. Sou imatura demais pra brincar disso. Nosso jogo termina aqui.” Assinou com uma marca de batom borrado.

Enquanto descia as escadas solitárias do prédio, ela pensava que a vida às vezes doía demais. Pensava se um dia a batalha do coração X razão iria acabar. Essa guerra já tinha deixado feridas demais dentro dela.
Mas ela sabia que a vida iria continuar.

O roteiro já estava pronto. A dor no peito iria persistir por mais alguns dias. Teria de controlar os dedos que insistiriam em querer discar o número dele. Teria de travar na garganta a voz que queria gritar e dizer que ele não tinha o direito de brincar com o coração dela. Que ele foi cruel demais quando confessou, numa noite fria de inverno, em meio a uma conchinha depois de um sexo qualquer, que a tinha traído com a hostess do bar na noite anterior. E que tinha bancado a desencanada quando topou revê-lo esporadicamente para assuntos sexuais, mas que tinha falhado na missão. Com ele, não se envolver era missão impossível. No entanto, nada seria dito e ela novamente engoliria o choro. Seguiria os dias normalmente. No trabalho, ninguém perceberia que ela morria por dentro enquanto digitava os relatórios.

A dor iria diminuindo a cada dia, até desaparecer.

Pra voltar novamente, dilacerando o coração masoquista por causa de um outro amor.

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