quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Fugindo da Raia




A moça está lá, investindo um tempão dela no cara. Quando os dois saem, se arruma toda, pensa no que vestir, faz todo aquele ritual que nós mulheres conhecemos bem do figurino-maquiagem e, (se a noite prometer), depilação. Já faz dois meses que os dois estão juntos. Ele, todo carinhoso e cheio de atenção. Ela, já começa a pensar aquilo que evitava no começo do rolo, o de que quem sabe ele possa passar de “carinha que eu saio” a namorado. E aí vem a bomba.
A mulher em questão, amiga que não revelo nome por questões de educação, recebe um SMS terminando tudo. Sim, uma mensagem de texto. E, pior, não é a primeira vez que isso acontece com ela. E também não é uma indelicadeza reservada ao universo masculino.
Para você ver como a coisa já se espalhou por aí, outro amigo passou por uma situação bem parecida, mas mais cara de pau. Estava a fim da menina, e sentia uma certa tensão sexual na contramão. Resolveu, depois de umas conversas jogadas fora, convidá-la para sair. Ligou então para seu celular, e engatou a proposta. A moça, que até então estava linda, leve e descontraída do outro lado da linha, engasgou na mesma hora e disse que o chefe havia acabado de entrar pela porta, que ela ligava mais tarde. Vinte minutos depois, ele recebe uma mensagem no Facebook com a bota: “Não vai rolar, tenho namorado”. Não. Vai. Rolar. Tenho. Namorado. Só isso.
Você consegue se lembrar como era sua vida antes da internet? Antes das mensagens de texto? Nem eu. O número de vantagens que a revolução digital trouxe é incontável. Mal consigo respirar no dia em que esqueço meu celular em casa. E sou tão neurótica com relação a isso que, quando ele foi roubado, estava com um novo quarenta minutos depois, com mesmo número e tudo. Ainda tremia com o assalto, mas pelo menos não fiquei atrasada com o Twitter. O problema para mim não é, definitivamente, o excesso de tecnologia.
A complicação toda está no jeito com que lidamos com ela. As relações virtuais viraram tão corriqueiras na nossa vida, que esquecemos que elas deveriam ser apenas uma ferramenta para potencializar o convívio real. Quer dizer que a moça lá em cima, que saiu durante dois meses com o cara, não merecia nem um encontro pra finalizar a coisa? Uma passada na casa dela? Uma ligação que seja? E o moço que ficou interessado por você não tem nem o direito de ouvir o não com a sua própria voz?
Claro que, na internet, é muito mais fácil responder a uma situação desconfortável. Você está do outro lado da tela, sua reação não está sendo vista, medida, julgada. Você tem mais tempo para elaborar a resposta, pensar no que vai dizer, reajeitar as palavras. Mais espaço para ser programado, para não ser você. É mais tempo para deixar a espontaneidade de lado. De minha parte, prefiro levar a lição para vida: fala na cara. É o desafio desta nova geração de adultos escondidos atrás de caracteres – criar coragem de viver no mundo real, e não esquecer que alguns problemas não se resolvem com um unfollow.

- Vana Medeiros, Casal Sem Vergonha.

Nenhum comentário: